26.11.07

Fonte abandonada

Matéria publicada no jornal O POVO

em 23/11/07

Fortaleza

DESCASO

Fonte de Sérvulo Esmeraldo no Centro está abandonada

Yanna Guimarães
da Redação

Três anos depois de sua inauguração, a Fonte Cinética construída na área do antigo prédio do Fórum Clóvis Beviláqua, está abandonada



23/11/2007 00:47

Hoje, a fonte serve apenas como depósito de lixo e reservatório de água da chuva(Foto: TALITA ROCHA) e Quando foi inaugurada, as três rodas hidráulicas da fonte se movimentavam(Foto: IMAGEM BRASIL)
Hoje, a fonte serve apenas como depósito de lixo e reservatório de água da chuva(Foto: TALITA ROCHA) e Quando foi inaugurada, as três rodas hidráulicas da fonte se movimentavam(Foto: IMAGEM BRASIL)

A construção dela fazia parte de uma política de requalificação da Fortaleza Histórica, um projeto do então Governo do Estado. Chamada de Fonte Cinética, o monumento foi escolhido por meio de um concurso público, que tinha como objetivo criar uma obra de interação entre a arte, a população e o espaço urbano. Hoje, pouco mais de três anos depois de sua inauguração, a fonte da praça onde funcionava o antigo prédio do Fórum Clóvis Beviláqua, próxima à Catedral Metropolitana de Fortaleza, está abandonada.

Na água, copos, garrafas e sacos plásticos. Ao redor da fonte foi deixado um pequeno espaço para um simples jardim, que deu lugar a um gramado tímido, queimado e cheio de lixo. Construída em aço inox, a Fonte Cinética tem torres que medem 4,2m e 1,8m e são movidas a jatos d´água. Composta de três rodas hidráulicas em cujas faces estão desenhadas espirais coloridas e orientadas em sentidos diferentes, o movimento das rodas seria assegurado por três canhões hidráulicos. Mas o funcionamento da engenharia só se deu nos primeiros dias após a inauguração.

"Roubaram o motor e nunca mais funcionou. Não houve mais uma manutenção, um cuidado, nada. Hoje está aí, só serve para ser criadouro do mosquito da dengue", relata Márcia Cristiane Félix, que é proprietária de uma banca de revistas na praça há 17 anos. A vendedora Cléucia Teixeira, que trabalha na praça há dois anos, nunca viu o funcionamento da fonte. "Nem presto atenção, não sabia nem que era uma fonte. Se é, há muito tempo que não sai água daí". De passagem, o jornalista Breno Ramos, que é de João Pessoa e passa férias em Fortaleza, arrisca e diz que o monumento é uma fonte. "Eu acho, não é? Mas virou uma lixeira".

À época, 13 artistas participaram do concurso com projetos de diferentes padrões estéticos. O vencedor foi o artista Sérvulo Esmeraldo, que se mostra profundamente triste com o abandono de sua obra. "Levamos mais de um mês para criar a obra. É uma falta de respeito não só comigo, mas com a população, já que a obra foi cara. No início, ela chamava atenção. Os turistas passavam e tiravam fotos. Nunca na minha vida imaginei que ela fosse ficar assim". Enquanto a obra de Sérvulo está esquecida aqui, ele é reconhecido fora do País e inaugura a exposição Os Excitáveis, uma de suas mais célebres criações, na Sicardi Gallery, em Houston, nos Estados Unidos.

Logo depois de inaugurada, a Fonte Cinética foi cedida à Prefeitura de Fortaleza. O então governador Lúcio Alcântara disse que o monumento era patrimônio cultural da cidade de Fortaleza. "E será então mantido como símbolo da criatividade cearense", relatou à época. A praça Dom Pedro II, onde foi construída a fonte, serve também como apoio dos comerciantes que armam uma feira na avenida Alberto Nepomuceno às segundas e quintas-feiras. "É por isso também que a praça acaba tão suja. São as próprias pessoas que jogam lixo", afirma o comerciante Magno Félix. De acordo com a Secretaria Executiva Regional (SER) II, responsável pela área, foi encaminhado para a Comissão de Licitação da Prefeitura um edital de manutenção corretiva e preventiva de todas as praças da área da SER II. Ainda não há previsão para o início.


SAIBA MAIS

- Sérvulo Esmeraldo nasceu no Crato, em 1929. Escultor, gravador e desenhista, iniciou-se profissionalmente no fim dos anos 40, em Fortaleza. Foi para São Paulo em 1951, onde dividiu os estudos com as atividades de xilogravador e ilustrador para a imprensa. Neste período, desenvolveu também projetos gráficos, realizou sua primeira coleção de jóias e suas primeiras esculturas em ferro.

- Em 1957, foi morar em Paris como bolsista do governo francês; onde estudou na Escola Nacional de Belas Artes e com J. Friedlaender, e intensificou suas atividades como gravador e, posteriormente, como escultor, desenhista e artista cinético, nos trabalhos que denominou de "Excitables".

- Com diversas exposições individuais realizadas e participação em importantes salões, bienais e outras mostras coletivas na Europa e nas Américas, retornou ao Brasil em 1980, fixando-se em Fortaleza, cidade que abriga cerca de 40 esculturas públicas de sua autoria.



Desperdício de dinheiro

23/11/2007 00:47


Para a curadora de artes plásticas Dodora Guimarães, o abandono do monumento é um desrespeito. Ela acompanhou de perto o processo para a escolha da obra, fruto de um concurso público. "Assisti aos inúmeros testes de seu 'ballet gráfico' no atelier do artista e depois na praça. Como se pode ignorar algo tão original e que, ainda por cima, ocupa um espaço no coração da cidade? Não entendo esse desamor para com a nossa cidade, com o nosso patrimônio".

Dodora, que é casada com Sérvulo, ressalta que a obra tem todas as condições para funcionar no local escolhido. No entanto, ela destaca que é necessário zelo, não só com a escultura, mas com a praça, com o seu entorno. "Independente de ser casada com o Sérvulo, sou uma cidadã. Esse desrespeito com uma obra pública, de um profissional de relevante contribuição à arte brasileira me faz pensar: para quê trabalhamos? Quando passo naquela área, eu tenho vergonha de ser uma cidadã de Fortaleza". Dodora nasceu e viveu até os 16 anos no Acre, mas se considera cearense.

Sobre o funcionamento da fonte, Dodora relembra que a escultura cumpriu sua função de fonte por poucos dias após a inauguração. "Pouquíssimas pessoas a viram funcionando. Temos um filme dela funcionando quando foi inaugurada. Alguns dias depois, alguém da Regional desligou o motor, nos informaram à época". A partir daí, ela conta que o monumento foi ficando totalmente abandonado. "É uma obra linda, não entendo o porquê dessa indiferença, inclusive por parte da população. Ela foi feita com dinheiro público e faz parte do nosso patrimônio".

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