Sobre propaganda e política Gilmar de Carvalho 26/08/2006 17:26 Ver um programa de propaganda política é um exercício de vertigem. A sucessão de tantas informações, em tão pouco tempo, nos dá o enjôo da câmera trêmula ou nos remete à estética do vídeo-clip. Nada que possa levar ao amadurecimento das decisões, à discussão de programas ou a um espetáculo desfrutável (ainda que inócuo).
A discussão passa pela concessão dos canais, pela formação dos oligopólios e por uma comunicação que tem sido conveniente a quem está no poder, dos militares até hoje.
Seria ingênuo acreditar que a propaganda política se resume a este espetáculo que antecede as eleições. Imagens são construídas ("caçador de marajás"), na cobertura jornalística. O caráter ideológico da notícia e o impacto das imagens em movimento se dão todos os dias, em todas as emissoras (inclusive nas que se dizem públicas).
Voltando a este "show" bienal, como manter a atenção do receptor? Este tende a cobrar o mesmo padrão do restante da programação e aí entraram os profissionais de "marketing" e os especialistas na edição (e fabricação) das imagens.
Era preciso enterrar a "lei Falcão", com os retratos 3x4 e a locução "em off" dos "predicados" dos candidatos. A virada foi a eleição de Maria Luiza, em 1985, ditando um padrão que foi aperfeiçoado pelo grupo que está no poder há vinte anos: "glamour", melodrama (a lágrima ao som de "Pai Herói") e apresentadores sem sotaque cearense.
O que vemos hoje no espaço dos candidatos a deputados estaduais e federais atualiza o passado autoritário: temos os números e damos o desconto de algumas bizarrices. A pasteurização das falas insiste em "sociedade igualitária e justa", na segurança (convencionou-se que seria bem recebido pela população acuada pela violência, cujas causas não são aprofundadas) e na ênfase à escola e à saúde. O filão da ética nos faz rir com a postura de vestais de alguns candidatos, enquanto outros optam pelo "efeito parabólica" ("o que é ruim a gente esconde", dito por um ex-ministro e levado ao ar, inadvertidamente).
A programação é perversa e os grandes partidos e coligações têm mais tempo.
O "politicamente correto" nos leva às "cotas" e nos lembra (sem saudades) de "deficientes (muito) eficientes". A mulher pode ser esposa, filha ou irmã e poucas têm luz própria. O estereótipo de juventude não esconde, muitas vezes, a angústia de sobrevida das oligarquias. E muitas candidaturas mais parecem factóides.
Claro que a propaganda deve continuar, mas por que não aperfeiçoá-la? Slogans, promessas e palavras de ordem já não bastam. Faltam argumentos e fica a pergunta: será que alguém decide seu voto por conta da televisão (como separar o real da ficção?), muros pintados, caros de som ou bandeiras empunhadas por militância paga? E o "obsceno" (o que fica fora de cena) não nos faria rir da proibição de doação de camisetas, bonés e chaveiros?
Gilmar de Carvalho
É professor do curso de Comunicação Social da UFC e doutor em Semiótica pela PUC de São PauloFonte: Jornal
O POVO